O açúcar torna as crianças hiperativas. Verdade ou mito?
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Indíce
- 1. Onde surgiu a associação?
- 2. O açúcar causa hiperatividade?
- 3. O que causa a hiperatividade?
- 4. O açúcar faz mal?
Nos últimos anos, tem sido veiculada a ideia de que o açúcar torna as crianças hiperativas, mas terá fundamento? Qual a origem desta alegação?
Vamos esclarecer estas dúvidas e saber se a agitação excessiva pode efetivamente ser causada pelo consumo de doces. Ou se tudo não passa de um mito.
Açúcar e hiperatividade: como surgiu esta associação?
A ideia de que os alimentos com sacarose pioravam o comportamento de crianças com Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção (PHDA) surgiu num estudo publicado em 1922, no ‘American Journal of Diseases of Children', que pode ser consultado no repositório online Zenodo. Estudos posteriores pareciam confirmar esta relação.
A convicção de que existia realmente uma relação causal era baseada em duas teorias.
A primeira atribui esta situação a uma suposta resposta alérgica ao açúcar refinado, tendo sido usada em estudos que analisaram os efeitos de dietas rigorosas nas crianças. Apesar de pais e médicos terem registado melhorias no comportamento, nem todas foram privadas de açúcar e algumas deixaram apenas de comer alimentos a que seriam supostamente alérgicas.
A segunda teoria é que algumas crianças podem ter hipoglicemia reativa funcional, ou seja, uma condição que se carateriza pela diminuição dos níveis de glicose no sangue até quatro horas após uma refeição. Contudo, estudos realizados mais tarde vieram refutar esta teoria, mostrando que estas variações eram normais.
Ao longo das últimas décadas, a ideia de uma relação entre açúcar e hiperatividade foi ganhando força, até porque os pais de crianças com PHDA referiam aos médicos um aumento da hiperatividade após a ingestão excessiva de doces.
A verdade, porém, é que várias revisões aos estudos efetuados mostram não haver como provar que o açúcar refinado afeta a hiperatividade, atenção ou desempenho cognitivo das crianças, ainda que tal pudesse acontecer em algumas.
O açúcar causa hiperatividade?
O açúcar não causa hiperatividade e há vários trabalhos científicos que o comprovam. Em 1994, foi feito um estudo duplo-cego (isto é: nem o médico, nem o paciente sabem que é administrado um placebo) envolvendo 48 crianças, incluindo algumas que os pais diziam ser sensíveis ao açúcar.
As crianças e as famílias foram sujeitas a uma dieta diferente durante três períodos consecutivos de três semanas. Aos pais cabia avaliar e monitorizar o comportamento dos seus filhos durante esse período.
Uma das dietas introduzida era rica em sacarose sem adoçantes artificiais, outra era pobre em sacarose e contendo aspartame (adoçante artificial) e uma terceira dieta era pobre em sacarose e contendo sacarina (o placebo).
Terminadas as nove semanas, os investigadores analisaram os resultados dos testes cognitivos e comportamentais, bem como os relatórios dos pais. Os especialistas chegaram à conclusão que "nem a sacarose, nem o aspartame produzem efeitos cognitivos, ou comportamentais discerníveis em crianças normais em idade pré-escolar, ou em crianças em idade escolar que se acredita serem sensíveis ao açúcar".
Uma análise de 16 estudos, realizada em 1995, concluiu o mesmo: o açúcar não afeta o comportamento ou o desempenho cognitivo das crianças.
Então, o que causa a hiperatividade?
Ainda não se sabe ao certo o que motiva a PHDA, mas a influência genética é um fator importante, já que as crianças em que um dos pais tem este distúrbio têm duas vezes mais possibilidades de sofrer do mesmo problema.
Ambientes agressivos, familiares conflituosos, negligência parental, ansiedade, depressão ou abuso de substâncias químicas são outras causas possíveis.
Há, ainda, uma possível relação com problemas durante a gravidez ou o parto, como stress fetal ou consumo de tabaco ou álcool.
A hiperatividade pode também ser influenciada por uma alimentação pobre em nutrientes, proteínas, vitaminas ou ácidos gordos.
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Vale a pena reduzir o açúcar em crianças hiperativas?
Se parece claro que não existe uma relação entre o consumo de açúcar e o aparecimento de hiperatividade, também não há argumentos científicos que justifiquem reduzir o consumo de açúcar em crianças diagnosticadas com PHDA.
Uma análise a 54 artigos científicos sobre esta questão, publicada na revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, concluiu que existe "uma grande heterogeneidade nos estudos apresentados, assim como uma fragilidade no desenho dos trabalhos".
Mesmo reconhecendo a dificuldade de conduzir ensaios clínicos bem estruturados, relativos à alimentação, os autores concluem que "a evidência disponível é insuficiente para sugerir que a restrição do consumo de açúcares refinados poderá melhorar os sintomas da PHDA".
Lembram, ainda, que estas teorias são baseadas em estudos com vários anos. Sublinham igualmente que a alimentação das crianças tem sofrido alterações, e que, além de um aparente maior consumo de açúcares, também existe uma maior consciencialização para perturbações como a PHDA.
Conclusão
Não há, atualmente, provas significativas de que o consumo excessivo de açúcar esteja ligado à hiperatividade. Embora algumas crianças possam ter uma reação adversa ao açúcar, as investigações realizadas não permitem estabelecer uma relação clara.