A pílula pode aumentar o risco de depressão?
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Indíce
- 1. Como funciona?
- 2. Pilula vs. Depressão
- 3. Estudos Recentes
- 4. Progesterona
Milhões de mulheres confiam na pílula como um método eficaz na prevenção da natalidade. Porém, como qualquer outro comprimido, pode ter efeitos indesejados e uma das questões que se tem levantado é se a pílula causa depressão.
Algumas pesquisas afastam qualquer relação, enquanto outras sugerem uma associação direta entre a toma deste contracetivo e a depressão.
Vejamos, então, que investigações científicas já foram efetuadas sobre os riscos da pílula para a saúde mental das mulheres.
Como funciona a pílula?
A pílula é um contracetivo com uma eficácia de cerca de 99%, desde que se sigam todas as indicações relativas à sua toma. Este comprimido é composto por hormonas sintéticas, como o estrogénio e a progesterona, bastante semelhantes às que são produzidas pelos ovários.
O objetivo da pílula é inibir a ovulação e, consequentemente, evitar a gravidez. Embora a pílula possa ser tomada por qualquer mulher em idade fértil, tem contraindicações e efeitos secundários, em casos específicos.
Por isso, existem vários tipos de pílulas, com diferentes dosagens e composições, sendo receitadas consoante fatores como a idade, o historial clínico e condições de saúde, como varizes, hipertensão ou depressão.
A pílula causa depressão?
A pílula não é aconselhada a mulheres que sofrem de depressão grave. Mas será que causa depressão em mulheres saudáveis? O tema tem sido estudado, mas as conclusões não são unânimes.
O Consenso sobre Contraceção 2020, organizado pela Sociedade Portuguesa da Contracepção (SPDC) Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG) e Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR), teve em conta os dados obtidos por vários estudos sobre contracetivos.
Segundo este documento, que serve como orientação para profissionais de saúde, a evidência científica sugere que o uso de contracetivos hormonais não causa depressão em mulheres saudáveis, sem perturbações do humor ou distúrbios de ansiedade.
Considerou-se, ainda, que não há provas suficientes que mostrem que a utilização de contraceção hormonal, onde se inclui a pílula, aumente os sintomas de humor depressivo em mulheres que tenham antecedentes de perturbações do humor ou distúrbios de ansiedade. No entanto, aconselha-se uma vigilância médica e avaliação de sintomas durante a utilização deste contracetivo.
Assim, os médicos entendem que estes contracetivos podem ser usados, mesmo nos casos em que já exista um quadro de depressão.
Os dados recolhidos pelos especialistas portugueses indicam também que as pílulas monofásicas (compostas por estrogénios e progestagénios, que têm sempre a mesma dosagem) são mais eficazes para responder às alterações cíclicas de humor, que ocorrem durante a ovulação e menstruação.
Pílula e saúde mental
As indicações do Consenso Sobre Contraceção 2020 estendem-se a outros problemas do foro mental.
O trabalho científico refere não haver provas que relacionem a toma da pílula e o aparecimento de depressão pós-parto. Nos casos em que esta condição já existe, e embora admitam que não foram ainda feitos muitos estudos sobre o tema, consideram que nas mulheres com depressão pós-parto é recomendado o uso da pílula, até porque uma nova gravidez seria ainda mais arriscada.
Além disso, os medicamentos mais utilizados para o tratamento da depressão pós-parto não interferem com a eficácia da pílula.
Pelo contrário, a medicação usada na depressão crónica refratária e a erva de St. John's (um antidepressivo natural) podem ter interferência na eficácia deste contracetivo.
As mulheres com perturbação bipolar podem tomar a pílula sem que corram riscos de agravamento da doença. Este método contracetivo também pode ser usado em pacientes com distúrbios alimentares, já que, segundo o documento, não existe evidência científica de que tenha um impacto negativo no curso da doença.
Também não existem provas de que a pílula agrave a esquizofrenia.
Pílula e depressão: o que dizem os estudos recentes
Há, no entanto, estudos que fazem uma associação direta entre a pílula e a depressão, embora os resultados continuem a ser alvo de discussão.
Uma investigação, publicada em junho de 2023 pela Universidade de Cambridge, associa a pílula à depressão, sobretudo nos dois primeiros anos de utilização. Conclui igualmente que o recurso à pílula na adolescência pode levar a que, mais tarde, essas mulheres sofram de depressão.
Este estudo seguiu mais de 250 mil mulheres britânicas, desde o nascimento à menopausa, reunindo informação sobre a utilização de pílulas combinadas (progesterona e estrógenio), o momento em que surgem os sintomas de depressão e o surgimento de sintomas depressivos não diagnosticados formalmente.
Os dados indicam que as mulheres que começaram a tomar a pílula antes dos 20 anos tiveram maior incidência de sintomas de depressão (mais 130%). Nas mulheres que só iniciaram a toma da pílula na idade adulta, essa incidência aumentou em 92%.
Revelam também que os sintomas desapareceram num período de dois anos após terem parado de tomar a pílula. No entanto, no caso das adolescentes, a incidência manteve-se.
Progesterona: culpada ou inocente?
Os resultados desta investigação podem estar a ser condicionados por um dado importante. A maioria das mulheres estudadas começou a tomar a pílula nos anos 70 e 80 do século XX, e, nessa altura, os contracetivos orais eram compostos por etinilestradiol e levonorgestrel.
A relação entre o etinilestradiol e as alterações de humor é conhecida. Assim, é provável que, para as mulheres que tomaram pílulas com esta composição, pudesse existir um aumento da incidência da depressão.
Atualmente, a composição da pílula é diferente, pelo que essa questão pode já não se colocar. Ou será que sim?
Um estudo australiano, publicado em 2022, levanta outras questões, também relacionadas com os compostos usados atualmente neste contracetivo.
Os investigadores lembram que o estrogénio e a progesterona têm influência na forma como o cérebro funciona, incluindo na atividade da serotonina e da dopamina, neurotransmissores ligados ao humor.
O estrogénio até tem um efeito benéfico na prevenção de doenças neurodegenerativas.
A progesterona, porém, não tem este efeito protetor no cérebro e, em certas doses, pode prejudicar o humor. Foi o que se verificou, por exemplo, numa investigação que avaliava a relação entre a progesterona libertada por um DIU (Dispositivo Intrauterino) e a depressão, alterações de humor e problemas de sono. Nas mulheres que usaram DIU com mais progesterona, esse efeito era mais visível.
Estes dados levam os investigadores a concluir que os métodos contracetivos que só incluem progesterona parecem criar maior propensão para a depressão em mulheres mais vulneráveis.
Embora não compreendam os motivos para algumas mulheres sofrerem de depressão e ansiedade devido à pílula e outras não, os autores do estudo aconselham que não se ignore o facto de, em alguns casos, a pílula ter efeitos negativos sobre a saúde mental. E apelam a mais discussão sobre este tema.
Conclusão
A constante evolução dos contracetivos e a investigação em curso para avaliar os efeitos da pílula na depressão não permitem conclusões definitivas. Além disso, é recomendado que cada caso seja avaliado e acompanhado individualmente.
Se algumas pesquisas afastam qualquer relação entre pílula e depressão, outras sugerem que podem estar relacionadas e aconselham algumas precauções na utilização deste método de contraceção.
Assim, dado os efeitos negativos em mulheres com depressão mais graves e a influência da progesterona no humor, há que ter alguns cuidados, sobretudo nos casos em que a saúde mental está afetada.
Por isso, antes de começar a tomar a pílula, discuta o assunto com o seu médico. Se tiver sintomas que possam estar associados a uma depressão, partilhe com ele. É aconselhável, ainda, falar com o seu clínico, caso comecem a surgir sintomas após adotar este método contracetivo.