Como lidar com uma criança com disforia de género?
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Indíce
- 1. O que é?
- 2. Sexo vs. identidade
- 3. Impacto nas crianças
- 4. Principais Sinais
- 5. Incongruência de género
A disforia de género pode manifestar-se em pessoas de qualquer idade, mas é comum em crianças e jovens. Esta condição não é um transtorno mental, antes uma sensação de angústia psicológica fruto da incongruência entre a identidade de género e o sexo atribuído à nascença.
O tratamento e o apoio adequados podem ajudar as pessoas a lidar com estes sentimentos e a viver de forma mais autêntica em relação à sua identidade de género.
Segundo a Ordem dos Psicólogos, o risco de ansiedade, depressão, pensamentos suicidas e tentativas de suicídio é maior em crianças e adolescentes transgénero do que nas restantes pessoas dessas idades. Assim, e embora nem todos os jovens com disforia passem por estes questionamentos, é importante perceber quais são os sinais de alerta.
O que é a disforia de género?
A disforia de género ocorre quando a incompatibilidade entre a identidade de género e o sexo designado à nascença (incongruência de género) gera sofrimento, podendo causar impacto na funcionalidade e na saúde mental de uma pessoa.
Nas crianças, a disforia pode manifestar-se mediante a utilização de expressões verbais ou comportamentais, como a rejeição de roupas ou brinquedos associados ao sexo atribuído ao nascimento, ou expressões diretas relacionadas com a identidade de género oposta.
Nos jovens, esta disforia pode tornar-se mais pronunciada, à medida que estes se tornam mais conscientes da sua identidade de género e das pressões sociais existentes para se conformarem com papéis de género específicos.
É importante realçar que nem todas as pessoas com incongruência de género sofrem de disforia.
Qual a diferença entre sexo e identidade de género?
O que tem o sexo biológico que ver com a identidade de género? Há relação com a orientação sexual? Para percebermos o significado de disforia de género, é importante conhecermos alguns conceitos que, por vezes, ainda são confundidos:
• Sexo: caraterística atribuída aquando do nascimento, com base na aparência dos órgãos genitais externos;
• Identidade de género: perceção intrínseca da pessoa, que pode não corresponder ao sexo atribuído à nascença;
• Sexo biológico: atributos biológicos e anatómicos, como cromossomas sexuais, hormonas sexuais e órgãos sexuais associados à feminilidade e à masculinidade;
• Papel de género: comportamentos, atitudes e traços de personalidade considerados como tipicamente masculinos ou femininos;
• Expressão de género: caraterísticas comportamentais, culturais e psicológicas associadas à feminilidade e à masculinidade. É como a pessoa expressa a sua pertença de género: pode ser feita através da estética (por exemplo, roupa ou cabelo) ou da linguagem que usa para se referir a si (pronomes e nomes);
• Não conformidade de género: a identidade, expressão e o papel de género não coincidem com o sexo atribuído à nascença;
• Cisgénero: há conformidade entre a identidade de género e o sexo atribuído à nascença;
• Transgénero: pessoas que não são cisgénero;
• Orientação sexual: refere-se aos pensamentos e sentimentos que uma pessoa tem sobre si, bem como aos sentimentos e atração afetiva e sexual por outras pessoas. Uma pessoa pode ser considerada:
• heterossexual: que se sente atraída por pessoa do género oposto;
• homossexual: que se sente atraída por pessoas do mesmo género;
• bissexual: que se sente atraída por pessoas de ambos os géneros.
Que impacto pode ter nas crianças?
A disforia de género tem um impacto negativo na saúde das crianças e jovens, principalmente quando não existe um acompanhamento adequado e personalizado.
"Comparativamente aos pares, os adolescentes trans têm taxas superiores de depressão, comportamentos suicidas e autolesivos, assim como de perturbações do comportamento alimentar", conclui um estudo publicado em 2016.
Segundo a Ordem dos Médicos, "uma parte significativa das comorbilidades parece ser secundária à inconformidade de género e melhorar com intervenções médicas". Ou seja, o acompanhamento médico é fundamental na abordagem à disforia de género.
Entre as causas mais comuns da disforia de género estão, de acordo com a Ordem dos Psicólogos, a rejeição social da diversidade de género, a falta de suporte parental, o trauma e os maus-tratos, o bullying e a perceção de estigma e discriminação.
Há ainda outro ponto importante na abordagem a este problema. Devido às experiências vividas, as crianças transgénero terão, na adolescência e vida adulta, um risco maior de sofrer de depressão ou ansiedade.
A Ordem dos Psicólogos alerta também para o facto de "a discriminação, a perceção de desumanização e transfobia internalizada" estarem "direta e indiretamente ligadas aos problemas do comportamento alimentar".
Quais os sinais da disforia de género?
Tendo em conta o impacto negativo que a disforia de género tem nas crianças e jovens, é importante que pais, familiares e outras pessoas que convivem de perto com os mesmos estejam atentas a alguns sinais de alerta, que podem evoluir para situações mais graves.
Um dos principais sinais é o facto de existir, durante um período superior a seis meses, uma diferença marcante entre a identidade de género interior e o género atribuído.
Como não existe conformidade entre o género com que se identificam e as caraterísticas do género atribuído à nascença (por exemplo, tamanho dos seios, voz e pelos faciais), as pessoas com disforia de género podem manifestar uma grande vontade de se livrar desses órgãos genitais ou caraterísticas sexuais secundárias, ou de evitar o seu desenvolvimento.
A vontade de ter genitais e caraterísticas sexuais secundárias diferentes ou de ser reconhecido como outro género são igualmente sinais de que a criança/adolescente está em inconformidade, o que pode transformar-se em disforia.
A disforia de género causa sofrimento e afeta o modo como as pessoas agem em situações sociais, na escola, no trabalho ou noutras áreas da vida.
Entre os sinais de desconforto ou de sofrimento, há que ter uma especial atenção caso existam comportamentos como:
• baixa autoestima;
• isolamento social;
• depressão e ansiedade;
• correr riscos desnecessários;
• autonegligência.
Incongruência de género: como é feito o diagnóstico?
A recomendação da WPATH (World Professional Association of Transgender Health) é que a identificação da disforia de género, assim como o seu acompanhamento, sejam realizados por profissionais de saúde mental competentes na área.
Em Portugal, a primeira avaliação é feita por um profissional de saúde das especialidades de psiquiatria e/ou psicologia. Após a confirmação da condição, a pessoa é encaminhada para centros de referência do Serviço Nacional de Saúde, para um acompanhamento multidisciplinar, para receber um tratamento individualizado.
Como é feito o tratamento?
O tratamento da disforia de género tem sempre em conta a situação específica da pessoa, pelo que varia de caso para caso, sendo feito por fases. Em algumas situações, é dado um acompanhamento especializado para a transição social, enquanto noutros a solução passa por tratamentos hormonais e mudanças corporais, incluindo cirurgias.
No caso das crianças, não são aconselhados tratamentos com medicamentos, apenas acompanhamento médico. Os adolescentes com disforia de género podem fazer tratamentos para supressão da puberdade. A partir dos 16 anos, já é possível serem submetidos à Terapêutica Hormonal de Afirmação de Género, através da toma de testosterona ou estrogénios.
O aconselhamento psicológico e a psicoterapia estão presentes em todas as etapas do processo de tratamento.
Como agir perante a disforia de género?
Segundo a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e Diabetologia Pediátrica (SPEDP), quando uma criança manifesta uma identidade trans antes do período da adolescência/puberdade, recomenda-se apenas vigilância e eventual acompanhamento por um profissional de saúde mental com competência na área.
Assim, até que surjam as primeiras mudanças relacionadas com a puberdade, este será o acompanhamento médico indicado.
O portal Saúde Mental, que conta com a colaboração de psiquiatras, médicos de família, psicólogos e enfermeiros, disponibiliza algumas recomendações para que os familiares possam lidar de forma adequada com situações de disforia de género, na infância e adolescência.
Segundo os especialistas, é importante não tentar reverter ou punir comportamentos de inconformidade de género, dado que estas atitudes podem agudizar e aumentar o sofrimento e a disforia, levando a um sentimento de rejeição. Este tipo de atitudes terá igualmente consequências no desenvolvimento da identidade e integração da criança/adolescente na sociedade, com consequências negativas para a saúde mental.
Para lidar com esta condição, deve ter em consideração alguns destes conselhos:
• Não desvalorizar, assumindo ser apenas uma fase;
• Não tentar deduzir a identidade de género ou os pronomes de alguém apenas pela aparência;
• Não estigmatizar o modo como a pessoa gosta de se apresentar, assim como a sua expressão de género preferencial;
• Promover, junto das outras pessoas, a utilização de uma linguagem inclusiva;
• Trocar experiências e procurar apoio junto de famílias que estão a passar pela mesma situação;
• Mostrar-se disponível para ajudar.